Estratégia para comunidade cigana espera há um ano por consulta pública
- 24/06/2025
Hoje assinala-se o Dia Nacional do Cigano, mas para a associação Letras Nómadas há poucos motivos para celebrar, tendo em conta a "incrementação dos partidos de extrema-direita", a desumanização dos ciganos e o consequente anticiganismo, mais a discriminação, que é "um dos pratos do dia".
"Estamos de facto a passar momentos bastante difíceis, sobretudo as comunidades ciganas", considerou o dirigente da associação Bruno Gonçalves, em declarações à agência Lusa, acrescentando que os ciganos continuam "a sofrer na pele o acosso" ou a ser "empurrados para as periferias".
Para o dirigente associativo, uma das explicações está nos "anos e séculos de perseguição, que levaram à iliteracia, ao afastamento e à ostracização" das pessoas ciganas, o que faz com que haja atualmente um "grupo de portugueses que está num ponto de partida inferior a outros".
Bruno Gonçalves acredita que há soluções e que o atual Governo "vai ter de dar resposta o mais depressa possível", alertando que se dentro do mesmo país há "um grupo que tem pontos de partida diferentes e que sofre e que não consegue alcançar patamares, é preciso trabalhar para isso".
No entanto, denunciou a demora em colocar a nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), sublinhando que o documento está na Presidência de Conselho de Ministros "há quase um ano, para ser enviada para discussão pública", apesar de já ter sido elaborada e ter "os contributos de uma série de pessoas".
Bruno Gonçalves garantiu que as várias associações ciganas vão continuar a lutar pela aprovação e implementação da nova ENICC, que deveria ter sido implementada em 2022 e vigorar até 2030, e que, por isso, haverá hoje uma "grande reunião de associações ciganas para construir um plano de ação para o segundo semestre de 2025".
Segundo o dirigente da associação Letras Nómadas, Portugal está agora "num vazio legal" pelo facto de não ter uma estratégia em vigor há um ano, o que, alertou, põe em causa o funcionamento de associação e o apoio dado às populações, nomeadamente as crianças.
Garantiu que há "associações que querem fechar portas porque não têm [dinheiro] para pagar água e luz" e outras que prestam apoio a "várias crianças ao nível do reforço escolar" e que estão com dificuldades em manter esse compromisso.
Para a socióloga e investigadora do ISCTE Maria Manuela Mendes, que colaborou na avaliação da anterior ENICC e que está a desenvolver o próximo estudo nacional sobre as comunidades ciganas, o atual momento "é desolador", passados tantos anos de investigação e de ações no terreno.
A cientista lembrou que o "contexto sociopolítico mudou muito nos últimos anos em Portugal", com "viragem de fundo" à direita, e revelou-se pessimista relativamente ao futuro da próxima ENICC.
"No contexto da sociedade portuguesa, e não só, a não ser que isto mude novamente no outro sentido, não vejo assim condições muito favoráveis à discussão da estratégia", admitiu Manuela Mendes, apontando que esse cenário possa ser contrariado "se houver pressão ao nível das instâncias europeias".
Salientou que "começa a haver um desfasamento temporal já significativo", uma vez que a avaliação foi concluída em 2023 e "esse diagnóstico também começa a perder um bocadinho a sua atualidade".
Manuela Mendes disse ainda que Portugal está estagnado, no que às comunidades ciganas diz respeito, e que "essa estagnação pode pôr em causa avanços feitos" ao nível da mobilização do associativismo cigano, nomeadamente na educação, formação ou mediação, e que isso pode comprometer o futuro se a nova estratégia não for discutida e aprovada.
A ENICC 2013-2022 foi prorrogada para vigorar até ao final de 2023, estando previsto que tivesse sido feita uma avaliação ao documento.
Para já, não são conhecidos os resultados dessa avaliação e a nova estratégia, para os anos 2022-2030, não chegou ser sujeita a consulta pública, não tendo sido, por isso, implementada.
A ausência do documento foi já alvo de crítica por parte do Conselho da Europa, que lamentou a existência de "um vazio no documento estratégico e possivelmente também nos mecanismos que os documentos previam, bem como nas finanças dedicadas à implementação da estratégia".
A Lusa contactou o Ministério da Presidência de Conselho de Ministros, que tutela esta matéria, mas não obteve resposta.
Leia Também: Polícias portuguesas precisam de mais formação para lidar com crimes de ódio